"Devo começar por esclarecer que não sou professora. Escrevo na condição de estudante - estou agora no ensino superior, mas o meu percurso escolar ainda está bem vivo na minha memória. Ser professora não está de todo nos meus planos, não pretendo fazer parte de uma classe tão claramente maltratada."
(In Público de 3 de Junho, "Cartas ao director")
Tive bons professores - alguns surpreendentemente bons, tendo em conta a infinidade de "reformas" de que eu e os da minha geração (a de 1982 - tenho 23 anos) foram "cobaias". Tive professores que me fizeram relembrar o gosto pelo teatro (algo adormecido desde as primeiras memórias enquanto pequenina espectadora do TIL), que o tornaram prática comum nos meus lazeres. Tive professores cujo grau de exigência acima da média (e acima do requerido pelos diversos ministérios) me fizeram trabalhar muito para conseguir decifrar equações e problemas de física, matemática, química... Tive também professores que, na idade das "filosofias", me mostraram como os filósofos de outros e deste tempo eram importantes e contribuíram para mudar as formas das coisas reais... e professores que me mostraram desde cedo como era importante ler - e escrever.
Acima de tudo, estes meus professores mostraram-me a insatisfação constante perante o conhecimento - e o querer saber mais. Mostraram-me também como é essencial superar-me sempre em cada etapa à procura de respostas e de como é importante saber exprimir-me para comunicar as minhas ideias. E, sobretudo, como manter sempre essa atitude de curiosidade perante o mundo.
A minha sociologia diz-me que o meu percurso escolar não teve grandes percalços porque não pertenço a um meio particularmente desfavorecido. É evidente que sim, é um factor importante. Devo muito aos meus pais os incentivos que deles recebi a conseguir lutar pelos meus objectivos. Mas de qualquer forma acredito que seja possível a qualquer aluno o conseguir ter um percurso de sucesso escolar - o que não passa nunca pelo rebaixar contínuo da condição de professor, mas antes pelo seu estímulo.
É importante notar que a escola é feita em primeiro lugar para se aprender, para se "aprender a gostar de aprender", e tal não se consegue através de facilitismos imbecis (como a questão das provas globais de Português em escolha múltipla... pasmei perante tal exemplo), mas através de uma ética muito forte de trabalho árduo - e também de prazer em aprender. As medidas que têm vindo a ser criadas no sentido de "facilitar" as matérias, para que o aluno "não se assuste" (ou lá para o que será), têm como resultados práticos o que se vê todos os dias: pessoas da minha idade que não sabem a diferença entre um "há" e um "à", que escrevem e dizem as mais incríveis barbaridades, que não se podem "dar ao trabalho" de conceber um ensaio de raiz sem tentar copiar de algum lado... Ser-se realmente bom parece ser algo reservado a uns poucos sobreviventes deste enorme barco à deriva que é o sistema de ensino que temos.
Simplesmente dói-me este "chico-espertismo" ser institucionalizado pelo próprio sistema de ensino. Acredito que continue a haver bons professores... não sei é como esta classe - já de si tão pouco unida, parecendo por vezes estranhamente incapaz de se mobilizar para lutar pelo estatuto da profissão - conseguirá manter-se à tona de tantas reformas e erros conceptuais vindos dos vários ministérios da Educação. Resta-me desejar-lhes coragem.
Ágata Sequeira
Almada
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