"O SABER NÃO OCUPA LUGAR"
Já o dizia a minha mãe
Mesmo sendo lugar comum, decidi intitular assim este trabalho, complementando o pormenor "já o dizia" com o feliz acrescento "e ainda o diz", pois a minha mãe é uma jovem senhora de oitenta anos, cheia de vida, fresca e muito linda ao ponto de meter as filhas num bolso.
Esta simples história, acontecida há quase cinquenta anos e vivida por mim, contém uma miscelânea de emoções e sentimentos onde o passado interage com o presente e tem como objectivo demonstrar a assertividade do título acima referido.
Desculpem-me o facto de desejar partilhar esta simples história, um dos inúmeros acontecimentos da minha vida, mas a vida não é feita de pequenas coisas?
Tinha eu oito anos quando a Srª. minha mãe (diplomada em "Corte e Costura") resolveu que já era altura da filha mais velha (bem isto, da filha mais velha desbravar caminhos, dava pano para mangas) aprender a coser à máquina. E justificando a sua atitude (não que uma mãe precise de se justificar) dizia-me:
-Se um dia tirares um curso e não precisares de cozinhar, lavar, passar a ferro, etc., precisarás de o saber para ensinar e/ou corrigir a quem to faça.
-E se não tiveres quem to faça precisarás de saber para fazê-lo tu ( já tendo tomado consciência do tradicional destino das mulheres que acumulam funções domésticas com a sua actividade profissional).
Em suma, por isto ou aquilo, o certo é que tinha chegado a hora da catraia aprender a coser à máquina.
E lá foi a Maria da Graça pela 1ª. vez para a máquina. Lembram-se da vossa 1ª vez a andar de bicicleta? O dar aos pedais com a devida velocidade e sequência? Ora aí está! E dar ao pedal da máquina de costura? Era o cabo dos trabalhos. A agulha cosia para trás em vez de seguir em frente. Eu não dava o lanço devido e a agulha não havia meio de coser... E não era culpa da máquina, pois era uma Singer das boas (dizia orgulhosamente a Srª. D. Amélia) e com a Mestre cosia!
Depois de várias tentativas falhadas e tendo a instrutora já perdido e paciência levei uma sapatada e, de imediato, aprendo a coser! (É caso para reflectir no valor didacticopedagógico da sapatada, não que eu seja a favor do bater, mas nem oito nem oitenta e no meio termo está a virtude). E lá deslizava alegremente a agulha pelo tecido fora , parecendo à instruenda que afinal até era fácil coser à máquina.
Esta história ficou-me gravada para sempre e tal era a ternura que nutria por ela, que resolvi, há cerca de um ano, comprar uma máquina de costura mas antiga, daquelas mesmo velhinhas e tinha que ser Singer, claro.
Volvidos os cinquenta anos acima referidos, o meu filho, já adulto, vem pedir-me para lhe coser umas calças que tinham descosido. E lá fui eu toda feliz para a máquina arranjar as calças. Pois, eu sabia coser à máquina... Até fiz "costura inglesa"!
Quando entreguei as calças ao meu filho ( e ele me diz: -Que bem! Obrigado.) aconteceu uma mistura de sentimentos de amor, gratidão e felicidade, entrecruzando o meu passado junto da minha mãe com o presente junto do meu filho e fiquei orgulhosa por ter conseguido aplicar os ensinamentos que a minha mãe me tinha dado. Pensei sorrindo:
- O saber não ocupa lugar.
Saudações culturais
Maria da Graça
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