(ponte Luís I na sua nova função no tabuleiro superior)
Hoje fui vadiar pela cidade. Andei pelo miolo histórico e atravessei o Douro na Ponte Luís I. Ia já a meio dessa espectacular obra de engenharia, anterior ao aparecimento do automóvel, quando parei de supetão, recuei 100 anos e senti-me visionário.
Que vejo então?!
Um vulto, era o meu avô (que nunca conheci), de bigode farfalhudo revirado nas pontas, esboçava um sorriso endinheirado que lhe deixava brilhar um dente de oiro. Já tinha mijado no mar pois tinha emigrado para o Brasil com uma mão atrás e outra à frente, onde foi condutor de coches de aluguer. Ia ali sobranceiro, de chapéu à baiana, botas-de-elástico cardadas que faziam sonoridade no empedrado em consonância com a algazarra dos moços que tangiam o gado, capa de burel, jaqueta castanha com um bolso do lado esquerdo donde sobressaíam umas correntes do relógio e cajado de marmeleiro ao estilo de Ramalho Ortigão. Tinha chegado no barco rabelo lá de Cinfães. Como torna viagem que se preze trouxe uns trocados, fez casa onde colocou na frontaria, lavradas na pedra, as suas insígnias, comprou terras, teve muitos afilhados, mordomo da festa da terra, nas procissões pegava no pálio e passou a ser o senhor fulano de tal…. Enviuvou cedo embora depois voltasse a casar mas nos intervalos vinha a miúdo à cidade e fazia poiso ali pela praça da Ribeira e dava um salto à Rua Escura onde a cidade mais mexia, ia ali beber um quartilho e não só!... O homem era atiradiço, um malandreco ou então um pardalão como se dizia na terra e a prova disso foram os “não filhos” que por lá deixou.
Mas voltando à ponte, quem se cruzava com aquele que foi meu avô? Pois aquilo era um corrupio de gente: homens de tamancos ferrados a tachotes, outros descalços, na cabeça os remediados usavam chapéu de feltro, os moços e a escumalha bonés; as mulheres de alpercatas ou chinelas, algumas descalças, saias compridas com muita roda, umas de gigas à cabeça, outras só de rodilhas, eram as galinheiras, carvoeiras e carqueijeiras que já tinham levado o frete. Era um formigueiro humano à mistura com porcos, carneiros, cabras, cavalgaduras, gado vacum, carros de bois e de muares, carroções, carruagens, cadeirinhas, seges e diligências. E tudo pagava portagem, minha gente!
Fim do filme!...Volto agora à realidade actual, introspecciono-me e fico em autêntica adoração aos arquitectos, engenheiros e artífices de tão emblemática futurista obra que foi atravessada por camiões de toda a tonelagem no passado recente e agora pelo metro.
(P.S.: voltarei mais tarde a falar desta majestosa ponte, um manancial de história viva)
Fiquem bem, antonio
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